
Tags
Tony Soprano está vivo, mas não é sua morte que está em jogo
Sete anos se passaram e o último episódio de The Sopranos continua assombrando os fãs da série. Cena final em retrospecto:
Tony, Carmela, Anthony Jr e uns rostos suspeitos estão num restaurante classe média esperando Meadow juntar-se a eles. A filha mais velha, por sua vez, está do lado de fora, penando numa baliza. Meadow então atravessa a rua contra a luz e entra no restaurante. Tony levanta a cabeça e – o resto é silêncio.
O VOX, no entanto, anunciou hoje, com algum alarde, que Tony Soprano continua vivo. O artigo, fique bem claro, é uma linda homenagem ao trabalho de David Chase, criador de Sopranos: suas referências, sua personalidade ambígua, seus trabalhos no cinema.
Tony Soprano morreu?
Eis o trecho de Did Tony die at the end of The Sopranos – escrito por Martha P. Nochimson – que responde a pergunta.
Em uma ocasião, Chase quebrou sua reserva e respondeu laconicamente: Não. Ele não morreu.
A autora deixa claro que esta é apenas uma interpretação de Chase sobre seu próprio trabalho. Uma maneira elegante de dizer que a reprodução da câmera é apenas metade da história, e a metade menos emocionante.
Uma frase de Orson Welles, um grande favoritode Chase, define bem as intenções por trás de Sopranos:
“A câmera é muito mais do que um aparelho de gravação. É um meio pelo qual as mensagens chegam até nós a partir do outro mundo. Este é o início da magia”.
Sonho dentro de um Sonho
Chase sempre demonstrou desprezo pela agitação criada em torno deste final – segundo ele, por acreditar que a imaginação do público é mais importante que qualquer fórmula.
Numa perspectiva realista, eu encaro o final de Sopranos como genial porque a vida também é assim. Raramente finalizamos as coisas e o que resta é um monte de acontecimentos não resolvidos.
Por outro lado, também acho que esta foi a maneira de David Chase dizer para a indústria: “a meta de vocês que fazem televisão é nunca terminar, é criar variação em cima de variação. Pois bem. Engulam meu final aberto”.
Mais um trecho do artigo publicado no VOX (traduzido livremente):
Quando perguntei sobre o corte final de Sopranos, Chase respondeu que se tratava do poema “Sonho dentro de um Sonho” de Poe, e finalizou a conversa. Eu admiro o silêncio de Chase porque ele sabe que eu faço parte do seu público também. Além disso, a arte de encerramento proíbe que palavras comuniquem perdas, uma vez que as palavras podem criar a ilusão de segurança e controle. A arte de Chase busca um nível mais profundo.
O artigo do VOX, ao contrário do final de Sopranos, tem um fim – muito bem escrito, aliás.
Não nos faria bem aceitar o desafio de Chase? O desafio de observar, de escutar com atenção, de experimentar as nossas próprias sensações, em vez de depender de fórmulas que só limitam a imaginação? O que está em jogo não é a morte de um personagem, mas a nossa própria capacidade de pensar.
fim.